quarta-feira, 11 de março de 2009

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A Dança que impulsiona a Alma

Será o corpo que dança e corta os ares, embalado pelo som da música? Ou é o Espírito que pulsa, imprimindo no corpo seu próprio ritmo? Entre os espíritas, a dança ainda é vista com desconfiança. “Resquício da sensualidade animal no homem”, dirão algumas mentalidades mais conservadoras.

Mas o desenvolvimento de grupos e coreografias fundamentados na proposta espírita tem contribuído para reverter esse quadro. “Estamos num movimento ascendente. Do ano 2000 em diante, muitos grupos foram formados”, explica Daniela Soares, coreógrafa e uma das pioneiras da chamada “dança espírita”.

E, afinal, o que marcaria o caráter espírita de uma seqüência ritmada de movimentos? “Difícil definir em palavras o que seria a ‘dança espírita’. Para mim, seria a dança que tem por objetivo primeiro a reforma íntima, a caridade através do auxílio a encarnados e desencarnados pela mensagem de consolo e esperança que veicula, pela troca de energia que estabelece nas apresentações e ensaios. Por fim, aquela que leva a mensagem espírita através da dança”, defende Daniela.

Talvez esteja aí o nó górdio da questão. Para muitos espíritas, espiritismo é sinônimo de racionalidade, discurso e argumentação. Há pouco espaço para o não-verbal, para a expressão do sentimento e das emoções. É o velho temor de obsessões e do “desvio doutrinário”. Medo de que, abrindo espaço para a própria alma, ela acabe manchando a “pureza” da doutrina. Principalmente quando o meio escolhido não permite explicações e esclarecimento conceituais.

Não à toa, a primeira iniciativa conhecida de uma dança inspirada na proposta espírita surgiu do desafio lançado por um educador. Alguém que entende o suficiente da natureza humana para reconhecer os prejuízos da racionalização excessiva no desenvolvimento do Ser. “Dançando, o homem transcende o ser físico, adentrando na harmonia com o ser espiritual que há em si mesmo. A emoção vibra em seu coração e se exterioriza nos movimentos harmônicos do corpo, que representam os movimentos interiores da alma”, analisa Walter Oliveira Alves no livro Educação do Espírito.

O ano era 1995, e o local, Araras, interior de São Paulo. “Um grupo de jovens da mocidade do Instituto de Difusão Espírita se reuniu para criar um trabalho de expressão corporal sobre a Evolução, a convite do Walter. Tínhamos que retratar através da dança a evolução desde os seres unicelulares até o homem espiritualizado. Ninguém nunca tinha feito aulas de dança na vida, apenas eu tinha formação e quis participar com eles”, relembra Daniela.

Foi o mote para o início de uma maratona que envolveu longa pesquisa temática e exaustiva preparação técnica. O resultado do trabalho foi um ballet de 25 minutos , intitulado Evolução. Com o sucesso da iniciativa pioneira, surgiu oficialmente o Grupo Espírita de Dança Evolução, que atua há 13 anos.

E assim como toda grande idéia, essa parece ter se disseminado “pelo ar”. Mesmo sem contato algum com o pessoal de Araras, um grupo de trabalhadores da Fraternidade Espírita Missionários da Luz, em Olinda/PE, resolveu iniciar também um trabalho que envolvesse dança e espiritismo, em 1998. “Coordenamos durante seis anos o Grupo Sáphyra de Dança. Nosso trabalho tinha como foco desenvolver coreografias que pudessem ter sempre uma mensagem, que fossem de alguma forma temáticas”, explica a jornalista Alexandra Torres.

O grupo infelizmente se desfez em 2004, mas legou bons trabalhos para a posteridade: “Despertar falava sobre o despertar da mediunidade numa jovem de 15 anos, Desejo de Uma Cristã mostrava o trabalho de amor e caridade aos menos favorecidos, e Dê uma Chance à Vida era um alerta para o aborto mostrando as conseqüências espirituais da prática e o perdão a quem comete esse tipo de ato”, relembra Alexandra.

Hoje, praticamente todos os grupos estão concentrados no Sudeste, apesar de existirem interessados e iniciativas nascentes no Sul e no Nordeste também. No último fim de semana aconteceu a primeira audição do Grupo Espiral de Luz, na capital cearense, que pretende introduzir a dança espírita no estado. E para o segundo semestre, está programado o Dançando com a Alma - O Trabalho do Coreógrafo no Grupo Espírita, um oficina voltada para a formação de coreógrafos espíritas.

O trabalho se insere na programação da VIII Mostra Espírita de Dança, em Araras/SP, que acontece de 10 a 12 de outubro, e se consolidou como o principal evento nacional da área. Uma iniciativa consistente, que congrega cada vez mais grupos de todo o país, e um dia, quem sabe, será capaz de concretizar os sonhos de quem se dedica de corpo e alma à dança espírita.

Sonho em ver a dança espírita em toda casa espírita, sendo praticada por crianças, por jovens, por adultos e idosos. Porque a arte não tem idade,e todo benefício físico, psíquico e espiritual que ela propicia para a criança e ao jovem, ela também propiciará ao adulto e ao idoso”, profetiza Daniela.

Romário Fernandes

* Texto publicado originalmente em 6 de Março de 2009, no Notícias da Abrarte nº 159 Ano 4

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